Crise econômica

GM e o pesadelo americano




O declínio da indústria automobilística nos Estados Unidos chegou a uma situação dramática no último dia 1º de junho quando a General Motors (GM), símbolo empresarial da maior potência econômica do planeta, pediu concordata para evitar a falência.

Encolhidas pela crise econômica mundial, as "Três Grandes de Detroit" - GM, Ford e Chrysler -, antes sinônimos da indústria norte-americana no século 20, hoje mais parecem dinossauros diante da revolução dos carros "verdes" asiáticos, mais baratos e menos poluentes.

Das três companhias, somente a Ford, segunda maior montadora do país, ainda não enfrenta o fantasma da extinção. A terceira, a Chrysler, já havia pedido concordata em abril e, agora, vai ser comprada pela italiana Fiat.

A queda do império das montadoras começou em 2008 com a crise financeira que afetou o crédito e o consumo nos Estados Unidos. Sem dinheiro no bolso e não conseguindo mais financiamentos, o americano deixou de comprar carros, provocando queda nas vendas.

Reduções no faturamento
Segundo o último balanço, em maio deste ano as vendas na GM caíram 30% em relação ao ano anterior, enquanto a Chrysler e a Ford tiveram reduções em 47% e 24% no faturamento, respectivamente.

Como resultado, o setor anunciou demissões, cortes na produção e fechamento de fábricas. Além disso, as empresas também enfrentam dificuldades para conseguir crédito, saldar dívidas e ainda pagar aposentadorias e planos de saúde de milhares de ex-funcionários.

Para evitar que fossem à falência, o Tesouro norte-americano injetou quase US$ 30 bilhões (R$ 58 bi) dos contribuintes na GM e na Chrysler, ao mesmo tempo em que estabeleceu um prazo para que se recuperassem.

A falência traz risco de perda de milhares de empregos (até 2,5 milhões somente nos Estados Unidos), queda na arrecadação de impostos e o colapso de inúmeras fabricantes de autopeças e revendedoras de automóveis.

Mas a sangria nos cofres públicos não impediu a quebra de ambas as companhias. Na situação atual, as fábricas continuam operando - alimentadas pelo soro de Washington -, mas não passam de uma mera lembrança dos tempos em que reinavam soberanas.

Modo de vida americano
O século 20 foi o século da indústria automotiva. A GM, fundada em 1908, foi a maior fabricante de carros do mundo de 1931 até 2008, quando perdeu o posto para a japonesa Toyota.

Quando Henry Ford (1863-1947) criou a Ford em 1903, inovou com a linha de montagem, em que cada grupo de funcionários fabricava uma peça, acelerando a produção de carros simples e baratos para a classe média. O carro tornou-se o sonho de consumo da família americana.

Junto com a Chrysler, inaugurada em 1925 por um ex-diretor da GM, as gigantes sobreviveram à crise de 1929, que dizimou outras empresas do ramo automobilístico no país. Com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), voltaram os esforços para a fabricação de veículos bélicos, ajudando os Aliados a vencerem a guerra.

No período pós-guerra, o Estado patrocinou a construção de uma imensa malha viária, contribuindo para a expansão da indústria. Juntas, as três fabricantes passaram a controlar 94% do mercado automotor do país, mantendo o oligopólio até a chegada das concorrentes japonesas, Honda e Toyota, nos anos de 1970.

Nos anos de 1990, o mundo já dava sinais de que o cenário não seria mais favorável para o modelo de negócios que a GM representava. O aumento do preço do petróleo, o caos no tráfego nas grandes cidades e, principalmente, os danos causados pelo aquecimento global, exigiram mudanças drásticas no setor automotivo.

O destino da GM
O pedido de concordata da General Motors é considerado, historicamente, a terceira maior quebra de uma empresa nos Estados Unidos. Fica somente atrás do quarto maior banco norte-americano, o Lehman Brothers Holdings, que também pediu concordata em 2008, e da segunda maior empresa de telecomunicações, a WorldCom Inc., que decretou falência em 2002 depois de uma fraude financeira.

Concordata é um recurso jurídico que uma empresa pede quando que não tem dinheiro para pagar suas dívidas e, por isso, entra em processo de falência. O juiz então determina que os credores aceitem prazos maiores, dando à indústria um tempo para se reestruturar. Se mesmo assim não honrar seus compromissos, então é decretada a falência.

A GM já havia recebido US$ 19 bilhões (R$ 36,8 bi) do pacote aprovado pelo Congresso norte-americano. E, sob concordata, receberá mais US$ 30,1 bilhões para se reerguer. Em contrapartida, o governo terá o controle inicial de 60% da companhia, podendo inclusive nomear seus principais executivos. Nesse doloroso processo, é previsto o fechamento de fábricas e demissões.

A mudança na gestão inclui a decisão de produzir os carros "verdes", menos poluentes, seguindo a linha asiática e européia. É o atestado de um erro histórico na decisão da GM de investir nos carrões, que consumiam litros de gasolina e poluíam a atmosfera. Carros elétricos, movidos a bateria, hoje são realidade, como o chinês BYD (Build Your Dreams, Construa Seus Sonhos) e o já comercializado indiano G-Wiz.

Neste início do século 21, a indústria automotora, e com ela o próprio capitalismo, passam por profundas mudanças. Países emergentes e a busca de soluções mais criativas para o mercado, ao que tudo indica, irão turbinar os motores da nova economia.

Massacre de Tiananmen


Vinte anos depois, a revolução que a China quer apagar da história
José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia e Comunicação
Reprodução - Wikipédia

Estudantes de Breslau, na Polônia, solidarizaram-se aos chineses, criando um Memorial do Protesto
Há 20 anos, o exército da República Popular da China tomou a praça da Paz Celestial (Tiananmen) e sufocou o maior protesto pró-democracia do século 20 ocorrido no país, que tinha à frente estudantes universitários.

Naquele dia 4 de junho de 1989 correu o mundo a imagem de um homem que, sozinho, tentava impedir o avanço de uma fileira de tanques de guerra. A identidade do homem nunca foi confirmada, nem seu paradeiro descoberto.

Os manifestantes promoviam manifestações na praça, localizada na região central de Pequim, há quase três meses. Eles foram mortos pelos soldados em ruas adjacentes, sem chances de defesa.

Dados oficiais apontam 241 mortos, mas fontes independentes calculam em até 7 mil as vítimas do massacre. Após a repressão, os principais líderes estudantis foram exilados.

Desde então, o regime comunista não somente se absteve de investigar o caso, como se empenhou em apagar o evento da memória das novas gerações, por meio de censura ao assunto em salas de aula e nos meios de comunicação.

Boa parte dos jovens chineses sequer conhece a história de Tiananmen. No aniversário de duas décadas, Pequim proibiu qualquer tipo de comemoração e bloqueou as redes sociais de relacionamento, como blogs, comunicadores instantâneos, emails, YouTube e Twitter, na tentativa de impedir que o assunto seja discutido. Ativistas políticos e familiares de vítimas também são monitorados de perto pelas autoridades chinesas, bem como estrangeiros e jornalistas.

Revolução Cultural e reforma econômica
A China é uma das civilizações mais antigas do planeta, com mais de 5 mil anos de história. Possui também o maior número de habitantes, 1,3 bilhão, o que corresponde a 20% de toda a população da Terra.

Quando os europeus começaram a expansão colonial e mercantil no século 15, a China já dominava a tecnologia mais avançada do planeta, em agricultura e navegação. Foram os chineses que inventaram a bússola, a pólvora, o papel e a imprensa.

Mas a nação asiática pagou um preço alto pelo seu isolamento e pela burocracia estatal, que estagnaram o progresso por séculos.

Já no século 20, o país sofreu com invasões estrangeiras, guerras e uma das mais desastrosas experiências políticas da história, ao se converter ao socialismo em 1949 sob o comando de Mao Tsé-Tung. Na tentativa de reconstruir a sociedade, o programa comunista e a Revolução Cultural resultaram em milhões de chineses mortos de fome ou dizimados pelo Estado, além de uma economia arrasada.

Em 1978, Deng Xiaoping iniciou um processo de reformas econômicas amparada por uma mão de obra barata, modernização de setores agrícolas e industriais e abertura ao capital estrangeiro. Mas, diferente da antiga União Soviética, manteve o controle político com a "mão de ferro" do Partido Comunista.

Juventude insurgente
Foi no clima de abertura política, com a queda do Muro de Berlim, o fim da União Soviética e a ruína dos regimes comunistas no Leste Europeu, que os estudantes chineses ocuparam a praça da Paz Celestial em abril de 1989.

Eles iniciaram o movimento após a morte do líder partidário Hu Yaobang, que apoiava reformas políticas no país. O protesto pacífico pedia a democratização, o fim da corrupção no governo e melhores condições de vida para os estudantes. As passeatas chegaram a reunir mais de 300 mil pessoas.

Durante a visita do ex-presidente russo Mikhail Gorbachev para a cúpula sino-soviética, em maio daquele ano, a imprensa internacional testemunhou um desfile de estudantes e ativistas em greve de fome que desafiavam o sistema comunista. Estava claro, a esta altura, a incapacidade do governo de controlar a situação e sua humilhação perante o mundo.

Nos bastidores, o Partido Comunista Chinês travava uma luta interna a respeito de como responder aos manifestantes. O secretário-geral do Partido Comunista, Zhao Ziyang, o segundo no comando do país, adotou um tom mais conciliador e pacifista, o que lhe custou o cargo.

Ziyang chegou a reunir-se com os líderes do movimento em 19 de maio, pedindo que desocupassem a praça. No dia seguinte, Pequim decretou lei marcial.

Com medo de enfraquecer sua liderança diante o movimento pró-democracia, Deng Xiaoping ordenou então a invasão do exército e a desocupação do praça. Nos dias seguintes ao massacre, outros estudantes foram presos ou executados.

O paradoxo chinês
O que mudou na China desde o massacre da praça da Paz Celestial? Na esfera econômica, o país promoveu, nos últimos anos, um crescimento jamais visto em todo mundo, atraindo investimentos estrangeiros e exportando produtos de baixo custo e quase sem concorrência no mercado internacional.

Com um PIB (Produto Interno Bruto) de US$ 3,5 trilhões, a China é a terceira maior economia do planeta, atrás somente dos Estados Unidos e do Japão e ultrapassando o Reino Unido e a Alemanha.

Aproximadamente 400 milhões de pessoas deixaram a pobreza nas últimas décadas, boa parte saída dos campos para reforçar um contingente de trabalhadores nas indústrias. Eles trabalham seis a sete dias por semana e 12 horas por dia, fabricando desde produtos piratas até componentes eletrônicos sofisticados.

Para se ter uma ideia dos avanços, na época da Revolução Cultural, em que intelectuais foram obrigados a trabalhar em campos de arroz, a taxa de analfabetismo atingia quase 60% da população. Atualmente, a China apresenta uma educação de primeiro mundo, com pesquisa de ponta e redução do analfabetismo para 4%.

O país também mantém uma estreita relação com os Estados Unidos, país símbolo da democracia moderna. A China é a maior financiadora dos gastos americanos, sobretudo os gastos militares com guerras como a do Iraque, ao mesmo tempo em que tem nos Estados Unidos seu maior mercado consumidor externo. A economia mundial está nas mãos destes dois gigantes.

Por outro lado, o governo de Pequim é autoritário, burocrático e centralizado no Partido Comunista, e endureceu a vigilância e censura após a tragédia de 4 de junho de 1989. O Estado se caracteriza, ainda, pela corrupção, desrespeito aos direitos autorais e restrições às liberdades civis.

Como o país consegue manter uma economia capitalista, baseada na livre iniciativa, sob um regime político ditatorial?

As lições de 1989 fizeram o governo compensar a falta de liberdade com uma pujança financeira e prosperidade, o que parece ter sido a chave para impedir o descontentamento de estudantes e intelectuais no país. Todos estão bem, contanto que não toquem em tabus como Tiananmen e falem em democracia.

Saiba mais
# "O Rio e seu Segredo - a pianista que desafiou Mao" (Objetiva), de Zhu Xiao-Mei: livro de memórias de uma pianista que, no auge da Revolução Cultural, foi impedida de tocar músicas ocidentais e forçada a trabalhar na lavoura.
# "Balzac e a Costureirinha Chinesa" (2002): filme conta a história de dois adolescentes presos e levados a um campo de "reeducação", onde descobrem livros proibidos pelo governo de Mao Tse-tung.